Como fica a espiritualidade em tempos de redes sociais?
Esse texto foi escrito com todo o cuidado e carinho por um autor convidado. O conteúdo é da sua responsabilidade, não refletindo, necessariamente, a opinião do WeMystic Brasil.
Viver na era digital tem seus prós e contras, em relação a todos os aspectos da vida. E a espiritualidade também é impactada pelas redes sociais, especialmente no que diz respeito à relação que desenvolvemos com o sagrado em função da atomização da informação. Sem dúvida, isso é positivo. Mas, a espiritualidade também sofre.
Como nos comportar espiritualmente em tempos de redes sociais? Sem dúvida a internet tem muitas lições a nos ensinar.
Quem faz da internet boa ou ruim é o uso que nós mesmos fazemos dela
Para começar, é preciso lançar um olhar analítico sobre a internet. Há quem critique o advento da internet e tudo de ruim que ela facilita: discriminação, criminalidade de todos os tipos, fake news, construção de bolhas alienantes. E isso tudo é verdade, sem dúvida. A deep web está aí para comprovar esse lado obscuro das redes, mas não só ela.
A internet em que todos nós navegamos tem, ela própria, seu lado obscuro. E esse lado de sombra é o que vem fazendo com que empresas de tecnologia gigantes como o Youtube e Instagram endureçam suas regras para preservar a dignidade da criança e impedir que comportamentos abusivos como racismo e outros tipos de discriminação se proliferem.
Mas, é importante perceber que a internet é uma ferramenta neutra. Quem faz da internet boa ou ruim é o uso que nós mesmos fazemos dela. Assim como um martelo pode ser usado para pregar um prego ou matar, a internet também pode ser usada para ferir o outro ou para ajudar e conscientizar. O poder está em nós!
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A democratização do acesso à informação
A democratização da informação é, sem dúvida, o maior benefício da internet e também das redes sociais. Não só todas as pessoas podem se expressar, como todo tipo de informação está acessível a quem pode navegar. Cursos, palestras, técnicas, poesia, história… Nunca tanta informação esteve tão disponível para quem deseja encontrá-la. E, com a espiritualidade acontece o mesmo. Nunca foi tão fácil buscar autoconhecimento e entender mais a fundo as narrativas religiosas. Não é mais preciso ir a uma biblioteca ou frequentar um único local religioso, para conseguir uma relação mais íntima com o universo espiritual. Budismo, hinduísmo, ufologia, misticismo, pastores, padres, enfim, há mensagens e ensinamentos para todos os gostos, e isso é maravilhoso! É um poder que nos foi dado que jamais tivemos. Não existem mais intermediários e nem prisões religiosas que nos impeçam de pensar e construir nossa própria narrativa e relação com o sagrado.
“Sei que a internet democratiza, dando acesso a todos para se expressar. Mas a democracia também libera a idiotia. Deveriam inventar um “antispam” para bobagens”
Podemos pesquisar e aprender sobre tudo. A internet e a redes sociais criam uma espécie de “caldo cultural onde as coisas interagem”, onde as pessoas interagem. E as próprias instituições religiosas, antes resistentes, se renderam às maravilhas das redes e aprenderam a usá-las não só para conseguir mais fiéis, como também para disseminar o conhecimento.
Há uma passagem muito curiosa sobre a vida de Chico Xavier, que mostra a importância das redes. Décadas antes dos primeiros computadores chegarem às casas das pessoas, Chico perguntou a Geraldinho (Geraldo Lemos, um amigo muito próximo) o que era multimídia. Geraldinho, obviamente, não sabia responder com precisão, pois essa tecnologia ainda não havia sido inventada. Ele respondeu que pensava ser a junção de várias mídias, e perguntou para Chico porque ele estava perguntando aquilo. Chico respondeu que os espíritos traziam boas novas para a espiritualidade, e previam um tempo em que o espiritismo e as demais doutrinas seriam transmitidas velozmente a todas as pessoas. E foi justamente o que aconteceu! Nunca vimos tantas pessoas interessadas em espiritualidade, não só em religião. Cada vez mais as pessoas se tornam mais conscientes sobre o mundo, seus hábitos de consumo, alimentação, estilo de vida e relação cósmica entre tudo que existe do que nos dias de hoje. E devemos esse avanço à internet.
A psicologia positiva mata a espiritualidade
A espiritualidade em tempos de redes sociais também vem sofrendo algumas perdas, fruto da distorção de alguns conceitos e da facilidade em ganhar dinheiro através da exploração da fé, medos e fraquezas das pessoas. Cada vez mais vemos pessoas enriquecendo por dizer frases motivacionais rasas, que vestem uma roupa de espiritualidade e dizem o que muitos querem ouvir, mas que, na verdade, está matando a verdadeira espiritualidade. (Um tema interessante também é o conceito de abuso espiritual que você deve conhecer também e estar ciente).
A teologia da prosperidade, por exemplo, é uma dessas distorções terríveis que ilude as pessoas e tira delas grandes quantidades de dinheiro. E, a longo prazo, geram ainda mais frustração e infelicidade. É o que vem acontecendo com a física quântica, que se tornou uma grande vergonha no que diz respeito ao pensamento espiritual. Ao invés de estarmos usando esse conhecimento para descobrirmos a nossa consciência, o mundo espiritual através da comunicação não local e o poder da vibração energética, o que mais vemos é uma enxurrada de falsos mestres que distorcem a física quântica para garantir prosperidade.
Alguns afirmam que é possível ativar de fora quântica o DNA da riqueza! Veja se é possível uma coisa dessas, e tente relacionar riqueza com espiritualidade. Antes que você atire pedras, é claro que não há problema algum no conforto da prosperidade, muito pelo contrário. Mas usar a espiritualidade como ferramenta para conseguir bens materiais é fruto de uma interpretação rasa, material e egóica do que é a verdadeira espiritualidade, ou seja, um caminho de evolução e transformação pessoal que nada tem a ver com bens materiais.
“Toda a espiritualidade é sobre aliviar o sofrimento”
Autoconhecimento até pode ter como resultado uma melhora de vida tão intensa, que naturalmente traga também uma melhora financeira. Mas esse não pode ser o objetivo dos estudos espirituais como vem acontecendo. Mais do que isso, as redes sociais alimentam esse fenômeno da psicologia positiva, que, assim como o discurso da prosperidade a qualquer custo, vem travestida de elevação espiritual mas não passa de um discurso barato que só sabe explorar o outro.
Pior, muitas dessas narrativas invisibilizam pautas sociais e mazelas humanas sobre as quais é essencial lançar um olhar caridoso e empático se quisermos crescer enquanto sociedade e consciências cósmicas. Basta desejar, para alcançar, dizem eles. Mas a realidade é bem mais cruel do que esse discurso alienante. A vida é muito dura para algumas pessoas, e isso tem muito mais a ver com política e oportunidades do que com a vontade pessoal de cada um.
Essas narrativas constroem um raciocínio individualista e superficial, que se distancia totalmente da espiritualidade. Não só da espiritualidade, que reúne conceitos mais complexos, mas da própria mensagem de Jesus, que é conhecida por todos ao redor do mundo. Ele falou em caridade, amor incondicional, em doação aos pobres, não em conquistas e metas pessoais, nunca em ser feliz através dos bens materiais e da prosperidade. Ele pregou em prol do amor e da aceitação do próximo, não do individualismo e da ideia de “cada um por si”. Prosperidade e o despertar dos talentos pessoais nunca foram prioridades de Jesus.
O consumo desenfreado e o ego
Outro aspecto negativo da espiritualidade em tempos de redes sociais é a exacerbação do ego, da futilidade e do consumo desenfreado. O princípio básico das redes que era ao compartilhamento, rapidamente se transformou em ostentação. Tudo o que vemos (e que gera mais likes) é “olha o que eu tenho”, que tenta fazer uma ponte com “olha o que eu sou”. Mas essa relação está mediada pelo consumo, como se a dignidade humana estivesse no azul da água da praia que você está passando férias, nas compras que fez no final de semana e nos restaurantes que você frequenta.
Aliás, quanto mais cara e fresca a comida, mais stories ela gera. Há quem não consiga mais tomar um simples café sem postar nas redes. A experiência das coisas que é subjetiva foi substituída pelo compartilhamento da experiência. Parece que de nada mais vale viajar, se você não puder mostrar isso ao mundo. Sem fotos, parece que isso não aconteceu. Recentemente, a empresária americana Kim Kardashian admitiu ter feito 6 mil selfies durante uma viagem de apenas quatro dias ao México. Apesar de ter feito uma média de 1500 selfies por dia, Kim conta que conseguiu dar um fugidinha até uma praia, onde bebeu drinks e ficou por cerca de quatro horas com os filhos. Fazendo as contas, entre o tempo em que dormiu e se alimentou, a empresária passou quase que 80% do tempo de sua viagem tirando selfies, ao invés de vivenciar a experiência. É um narcisismo, uma idolatria da própria imagem que certamente será considerada uma doença pelos pensadores do futuro.
“A internet e o Facebook nos tranquilizam e nos dão a sensação de proteção e abrigo, afastando o medo inconsciente de sermos abandonados. Na verdade, muitas vezes você está cercado de pessoas tão solitárias quanto você”
As redes simplesmente afloraram o ego e o consumo, especialmente a relação entre ambos que antes era mais discreta e envergonhada. Costumávamos ser mais humildes e envergonhados com nosso narciso. Agora, a vergonha é não ter o que mostrar diariamente nas redes. Até a espiritualidade foi capitalizada pela internet, já que ela também faz parte da nossa construção narcísica. Eu sou mais espiritualizado do que você, meu deus é mais forte, minha crença é a mais correta. Ao invés de unir as pessoas, existe um aspecto excludente na espiritualidade em tempos de redes sociais que deve ser identificado e combatido, especialmente por aqueles que de fato buscam o despertar da consciência e a morte do seu “eu”. As redes gritam “eu”, mas a espiritualidade pede o “nós”.
Nunca foi tão fácil odiar
Outro aspecto das redes sociais que aniquila a espiritualidade é o ódio. Nunca foi tão fácil odiar. Não que o ódio seja uma novidade moderna ou fruto da internet, mas ele sem dúvida nunca esteve tão presente em nossas vidas e também nunca foi tão covarde.
“Sempre existiu este ódio que flui por todos os lados. Antes, era preciso ler livros para criar estes ódios. Hoje é um clique e um site, com muitas imagens. Facilitamos muito para quem odeia. O ódio tem imenso poder retórico. Ele sempre existiu. Agora, existe este ódio prêt-à-porter, pronto, onde você se serve à la carte e pega seu prato preferido”
Vemos, assustados, os seguidores de cristo mais fiéis disseminando ódio contra outras religiões e se posicionando a favor da violência das armas. Pregam em nome de um torturado e crucificado, mas são a favor da tortura para quem não reconhece esse torturado como único caminho para a salvação. Negam qualquer dignidade para aqueles que possuem uma orientação sexual considerada por eles abominação, esquecendo do principal ensinamento de Jesus sobre amar o próximo como a ti mesmo. E, com as redes, a mobilização desse ódio que é totalmente contrário a qualquer espiritualidade ficou mais fácil e covarde, já que a maior parte dessas pessoas não tem coragem de expressar essas opiniões odiosas cara-cara. Precisam do conforto e da segurança de estarem atrás de um dispositivo tecnológico para manifestarem seu ódio, ou da proteção de seus templos de pedra. É preciso cuidado para distinguir o que é verdadeiramente espiritual do que é só mais uma forma de odiar nas redes.
Redes de solidariedade: também se compartilha amor
Nem só de ódio e ostentação vive a espiritualidade em tempos de rede sociais. A solidariedade, uma das virtudes mais espirituais que podemos alcançar, estão muito presente na internet. É lindo de ver como as pessoas formam redes de apoio sobre doenças, dificuldades e temas humanos sensíveis. Isso é uma joia que devemos continuar lapidando e cuidando. Tomada de consciência, inclusão e troca de informações também populam esse mundo virtual e ajudam muitas pessoas. Nesse sentido, vemos a espiritualidade em cada site, em cada perfil ou canal do Youtube que se destina a compartilhar amor.
“A solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana”
Isso cria um senso de comunidade que é, aliás, um dos objetivos da evolução humana na Terra. Amar, incluir, ajudar, doar, trocar, compartilhar. Enquanto muitos ostentam, uma minoria inspira. Enquanto muitos cobram, uma minoria concedem acesso e ensinam de graça.
A espiritualidade está mais viva do que nunca em tempos de redes sociais. E a maneira que usamos as redes também mostram o que trazemos no coração. Quanto mais conectados, mais unidos! Basta saber separar o joio do trigo e se juntar aos movimentos que realmente valem a pena. A escolha cabe a cada um de nós!
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