Se sentir abençoado é uma emoção próxima da gratidão ou uma expressão do ego?
Hoje em dia se fala muito sobre gratidão e sobre ser abençoado. Basta 5 minutos de navegação pelas redes sociais para encontrarmos uma enxurrada de legendas e hashtags dizendo “feeling blessed” ou “gratidão”, em relação aos mais variados aspectos da vida. Mas será que de fato estamos pensando sobre o real significado dessas palavras? Quando buscamos o despertar da consciência e uma visão espiritual, é preciso questionar nosso comportamento, crenças, palavras e emoções.
Devemos agradecer por tudo e em muitas ocasiões seremos, de fato, abençoados, cuidados, atendidos em nossas necessidades. Deus está presente em tudo e cada dia de vida que completamos é mesmo um presente. Porém, não existem escolhidos abençoados. Mesmo quando recebemos uma bênção, é a gratidão que nos alinha com a luz, pois, a gratidão é livre do ego e também dos desejos. Portanto, ser grato tem uma conotação diferente do que conhecemos por bênçãos divinas na modernidade, do deus customizado que atende os desejos de um grupo seleto.
Quer saber a diferença entre esses dois sentimentos? Leia o artigo até o final!
Gratidão: um exercício diário para o despertar
A gratidão é uma das chaves para a evolução espiritual. O sentimento de gratidão possui efeitos muito profundos, que refletem inclusive no corpo físico. A gratidão dissolve miasmas, melhora o fluxo respiratório e faz o coração bater numa cadência mais suave. A gratidão faz fluir em nosso ser o amor incondicional e a resiliência, que só nos empurram para frente em nossa caminhada. Quando praticamos a gratidão, aos poucos vamos enxergando com mais clareza o nosso propósito de vida, especialmente as dificuldades que viemos aprimorar. Assumindo a dualidade como parâmetro, temos uma visão mais ampla que acolhe tanto as nossas deficiências quanto os nossos talentos.
“A gratidão é o único tesouro dos humildes”
Ser grato é um estado que alcançamos quando internalizamos uma visão espiritualista. A gratidão envolve aquilo que podemos controlar, que depende de nós, e também o que não depende. Especialmente em relação ao que nos desagrada ou incomoda, pois, a postura diante de um problema será sempre do aprendizado, mesmo quando há dor. Quem é grato, pode não ter tudo o que deseja, mas consegue amar tudo o que tem e permanecer grato inclusive na adversidade.
Pode não ter o trabalho dos sonhos, o salário esperado, mas consegue colocar um sorriso no rosto todos os dias e enfrentar a vida. E quando as coisas não saem conforme o esperado, podem sofrer, mas sem revolta. Conseguem manter o questionamento e buscar o aprendizado escondido em cada situação, especialmente as que machucam. A gratidão é incondicional e não infla o ego de ninguém, pelo contrário.
Um coração grato entende que existe um propósito maior do que os nossos desejos e que somos pequenos, quase irrelevantes perante a grandeza do cosmos, principalmente quando encarnados. Não há um sentimento de “ser especial”, pelo contrário. A gratidão desperta a percepção de que somos todos iguais. A pergunta “porque comigo?” perde o sentido, porque o entendimento de que tudo pode acontecer com todos e que somos todos iguais supera o ego e o desejo de se sentir especial perante a espiritualidade. Saiba aqui como criar o seu próprio diário da gratidão.
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Ser abençoado: um reflexo do ego
Que a espiritualidade nos concede bênçãos, não há dúvidas. Mas o uso popular dessa concepção tornou essa noção egoísta e individualista, de uma maneira que ela reflete o ego e dá uma impressão de que existem “escolhidos”. Se sentir abençoado quase sempre é distante do verdadeiro sentimento de gratidão, justamente por essa ideia de que Deus me escolheu para me presentear com algo. E repare, quase sempre o que é considerado uma bênção é fruto daquilo que não controlamos na vida e que quase sempre tem essência material. Deus escolheu a melhor família para mim. Deus me deu beleza. Deus me abençoou com o sucesso profissional. Minha nova casa é uma benção de Deus. Quantas legendas dizem isso, quando a foto é de uma viagem, por exemplo? Até mesmo a família, que pouco controlamos, é considerada uma benção. E é, pois é através dela que nos curamos e nos desenvolvemos. Mas sua família é escolhida de acordo com o aprendizado necessário ao espírito, e não porque alguém é abençoado e escolhido para vivenciar uma experiência familiar maravilhosa.
Algumas pessoas passam a ideia de que “meu filho é o mais perfeito, veio na melhor hora, porque eu sou uma abençoada e Deus só me presenteia e realiza os meus desejos”. E o pior é que, no próprio dicionário podemos encontrar a seguinte definição para bênção: benefício, graça, favor especial. Uma benção adquiriu o significado de um favor especial, um benefício concedido a alguém que é especial, diferenciado.
“As pessoas felizes lembram o passado com gratidão, alegram-se com o presente e encaram o futuro sem medo”
O que está implícito nesse pensamento? Se Deus abençoou alguém com uma bela família, será que resolveu amaldiçoar quem nasceu órfão? Se Deus te abençoou com o sucesso, será que ele castigou a metade do mundo que vive abaixo da linha da pobreza? Será que essas pessoas conseguem se sentir abençoadas quando enfrentam um problema? Uma perda? Uma grande frustração? Provavelmente não. Ser abençoado infelizmente tomou uma conotação VIP, em que poucos são escolhidos para ter sucesso e felicidade. E sabemos que muito do que nos acontece tem a ver com carma, com livre-arbítrio e esforço. Deus não deixa ninguém para trás, e não escolhe pessoas para derramar sua glória.
Uma outra frase muito difundida hoje em dia é “meu deus é mais forte”. Essa afirmação é ainda pior do que se achar abençoado em um mundo umbralino em que tantos sofrem. Quando alguém diz “meu deus é mais forte”, essa pessoa está expondo muito mais do que uma crença em algo superior. Primeiro, a pergunta que vem a cabeça é: quem te deu Deus? Não há esse ou aquele deus, mas sim uma inteligência suprema que pode ser acessada por muitos caminhos. Esse deus mais forte significa que a pessoa é tão evoluída, inteligente e especial que foi capaz de desvendar os mistérios além vida e descobrir o Deus verdadeiro, em um mundo onde a oferta de narrativas religiosas é bem diversa. E, por isso, recebe bênçãos e proteção que nem todos desfrutam. Se o meu deus é mais forte, qualquer outro é fraco e irreal. Segundo que, esse deus mais forte é uma entidade que protege a todo custo, pois, esse filho que adora o deus correto é mais importante que aquele outro que escolheu o deus errado. Logo, essa divindade deve castigar os inimigos e impedir que qualquer mal seja feito ao filho iluminado que conseguiu chegar ao único e verdadeiro Deus. “Não mexa comigo” é o que está por trás dessa afirmação. E normalmente essa noção vem acompanhada da ideia de que as bênçãos são também materiais e têm a ver com o sucesso que conseguimos na vida. Sou escolhida e abençoada, então, cuidado comigo porque sou protegida, sou especial. Nada mais distante da visão espiritual do que essa expressão do ego travestida de espiritualidade.
Não há nada errado em se sentir abençoado, especialmente quando esse sentimento está repleto de gratidão. Mas o erro aparece quando essa sensação passa pela expressão do ego, da realização dos desejos e do sentimento de ser escolhido, protegido e especial. Quando esse pensamento vem em mente, aí sim é a hora de perguntar “porque eu?”.
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