Os diferentes rituais e crenças na hora do último adeus
Cuidado e respeito com quem partiu direcionam as atitudes tomadas em todas as religiões. O protocolo dos rituais pós-morte em algumas delas preservam tradições distintas e até curiosas. A fé é, sem dúvida, um elemento determinante na hora da morte, por isso, as providências tomadas e o ritual que deve ser seguido são radicalmente diferentes entre as religiões, e algumas doutrinas determinam inclusive em qual país o corpo deve ser enterrado.
“A morte dá sentido às coisas”
Cada fé tem seu próprio rito de passagem e é muito interessante conhecer as diferentes formas de dar o último adeus aos entes queridos.
A origem histórica dos enterros e velórios
O ato de enterrar os corpos é quase tão antigo quanto o próprio ser humano. Pesquisadores descobriram cemitérios estimados em 60000 a.C., com chifres de animais sobre os restos mortais, indicando que já existia o ritual de presentear e homenagear o falecido. Isso tudo em uma época e que não existia nenhuma das religiões tradicionais que governam o mundo moderno, dando ao enterro uma conotação mais prática e menos religiosa. Era preciso esconder os corpos embaixo da terra, pois, a decomposição natural do cadáver atraía animais e colocava em risco a vida daqueles que ficaram.
“Exercitar-se para a morte é exercitar-se para a morte de sua individualidade, de suas paixões, para ver as coisas na perspectiva da universalidade e da objetividade. Evidentemente, um tal exercício supõe uma concentração do pensamento sobre si mesmo, um esforço de meditação, um diálogo interior”
Já o costume de velar os corpos têm outra origem, apesar de também ser uma medida de segurança não em relação aos vivos, mas sim para evitar enterrar alguém que ainda não está morto. Por exemplo, a catalepsia e a narcolepsia alcoólica poderiam se assemelhar a morte, especialmente em épocas em que a medicina não era desenvolvida e não haviam instrumentos capazes de atestar um falecimento. Assim, pesquisadores acreditam que o ritual de velação do corpo tenha nascido na Idade Média, pois era preciso que a família fizesse uma vigília para ver se o “morto” iria acordar. E é deste ritual que o velório herdou seu nome, pois, como não havia luz elétrica, o tempo de vigília do corpo era feito através da iluminação das velas. Daí a expressão “velar” o corpo.
O sepultamento é historicamente mais recente, criado pelos hebreus e posteriormente adotado pela Igreja Católica. O sepultamento, diferente do enterro, consiste em colocar o corpo em uma sepultura e não em uma cova. No Brasil, os sepultamentos em igrejas existiram até a década de 20, quando foram construídos os primeiros cemitérios. Antes disso, apenas escravos e indigentes eram enterrados, enquanto os homens livres eram sepultados nas igrejas. Devido a esse costume, era possível “medir” o tamanho de uma cidade pela quantidade de igrejas que ela possuía.
“Pensar no próprio funeral nos lembra que morreremos um dia. Assim, passamos a valorizar cada instante e a vivê-lo intensamente, afinal, pode ser o último”
Já a cremação foi criada por volta de 1000 a.C. pelos gregos e romanos, que acreditavam que o sepultamento era para criminosos e seria mais digno ter o corpo cremado. Até 1964, a Igreja Católica não permitia que seus fiéis fossem cremados, entretanto, essa proibição já se transformou em recomendação. Porém, o hábito do enterro ainda continua muito forte em países católicos e a cremação, apesar de aceita, não é vista com bons olhos. Isso pois, segundo a crença na ressurreição da carne, os mortos serão despertos durante o juízo final com o corpo voltando à vida.
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Os rituais segundo as principais crenças
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Islam
No Islam, as diferenças entre o mundo cristão e ocidental é gritante. A começar pela primeira providência que deve ser tomada quando falece um muçulmano: lavar o corpo todo com sabão. Segundo o protocolo, um cadáver masculino só pode ser lavado por homens e o mesmo serve para o sexo feminino, pois só mulheres podem preparar o corpo de uma mulher. Não há roupas, ou seja, um muçulmano é enterrado nu. Ao invés delas, um pano branco de algodão envolve o corpo todo e ele é enterrado sem caixão. Neste caso, o caixão é feito somente para o transporte. Vale dizer que a cremação é totalmente proibida.
Também não existe velório. Ao contrário, um muçulmano deve ser enterrado o mais rápido possível e durante uma das 5 orações diárias. Após o banho, o corpo é levado para o pátio de uma mesquita, onde são feitas algumas orações com a presença do imã, a autoridade religiosa. Durante a cerimônia mulheres e homens ficam separados, sendo reservado apenas aos homens a proximidade com o caixão. E segundo a regra, um muçulmano só pode ser enterrado em um país muçulmano ou no território islâmico mais próximo, o que gera muitos conflitos diplomáticos. E de todo o ritual, o fato mais curioso é o seguinte: durante as orações, há uma parte em que o imã pergunta aos presentes se o falecido pode ir em paz e todos podem se pronunciar. Geralmente o perdão é dado, mas há casos em que alguém levanta a mão e diz “não, não perdoo. Ele fez isso e aquilo”.
Vestir preto não é obrigatório, mas os presentes devem estar trajados sobriamente, sobretudo as mulheres, que devem manter a cabeça coberta. Após o enterro, os familiares se reúnem na casa do falecido no sétimo e no quadragésimo dia, para uma rodada de orações com a presença do imã.
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Budismo
O ritual budista também é distante do protocolo ocidental. Familiares, amigos e um monge oram e despedem-se com calma, já que a morte é uma etapa de um longo processo evolutivo e não um fim definitivo. Os visitantes levam palavras de consolo para os parentes do morto e também algum dinheiro, para ajudá-los com as despesas do funeral. É um momento de união da comunidade, em que todos participam e dão apoio.
Diferente do mundo islâmico, o corpo é vestido e enterrado junto com o caixão, com um rosário budista enrolado nas mãos. Para encomendar o corpo, além das orações são acendidas velas e também incensos e os presentes recitam textos sagrados em coro. Algumas subdivisões dos budistas oferecem alimento e água em uma espécie de altar, como símbolo de desapego do corpo físico. Não há a tristeza habitual do ritual cristão, pois a concepção de vida e morte budista é desapegada e a morte vista como uma passagem.
“Quem não sabe o que é a vida, como poderá saber o que é a morte?”
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Hinduísmo
No hinduísmo não existe enterro e todos os corpos são cremados. O velório é apenas uma transição entre duas etapas: a preparação do corpo, feita logo após a morte, e a cremação. Por isso mesmo, não há regra estabelecida para essa fase e os adeptos de diversos segmentos do hinduísmo despedem-se, cada qual à sua maneira. Há tradições em que familiares e amigos jogam pétalas de rosas, margaridas e jasmins sobre o corpo, e dão três voltas em torno dele. São três voltas por um motivo espiritual, pois, na crença hindu, o número 3 simboliza os três os deuses principais: Brahma, Vishnu e Shiva. Como o ritual é um pouco mais livre de regras, é comum que parentes deixem cartas sobre o falecido, pedindo que a alma encontre o caminho da luz. Há também orações e leitura de textos sagrados.
“Por que nós nos alegramos em um nascimento e choramos em um funeral?”
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Judaísmo
O rito fúnebre judeu também é um momento de união da comunidade, especialmente da família. Os mais próximos se reúnem e conversam sobre a biografia daquele que se foi, exaltando suas qualidades, relembrando as boas ações praticadas em vida e também é o momento de fazer as orações sagradas em nome da alma do falecido. O caixão é rodeado por velas, para que o espírito encontre um caminho iluminado. É também um costume enobrecer o falecido com doações a entidades beneficentes ou religiosas, pois, segundo a crença, esse ato de bondade dos familiares traz conforto espiritual à alma diante de Deus.
Após a morte, o corpo é banhado e vestido com o Tachrichim, um conjunto de roupas brancas, com camisa, calças e luvas, que representam a neutralidade com que a alma irá se encontrar com o Criador. Os olhos recebem uma pedra cada um e também é repousada uma terceira pedra na boca, para que não exista um questionamento da própria morte e evite que o falecido se encontre com Deus antes do Juízo Final. Então, o corpo é enrolado em um pano branco e o caixão fechado, dando início ao breve “velório”, pois, segundo a tradição, o corpo deve ser enterrado rapidamente e nunca no dia posterior à morte. A explicação é bem simples: a alma não consegue descansar até ser sepultada. Em geral, depois de um ano pedras são colocadas sobre o sepulcro, baseando-se na tradição bíblica de quando Jacó colocou pedras para sua esposa Raquel. Esse gesto assegura que os mortos não serão esquecidos e a sepultura não será profanada. Também é importante dizer que a cremação é expressamente proibida para a fé judaica.
Faz parte do ritual fúnebre que as mulheres cubram a cabeça durante a cerimônia e aos homens, é obrigatório o uso do quipá. Um dos costumes mais bonitos do ritual judeu é o silêncio: não se deve dar os pêsames ou passar nenhuma mensagem verbal de conforto, pois, segundo a tradição, nenhuma palavra é capaz de expressar tamanha dor. O caixão fica sempre fechado, semelhante ao protocolo islâmico. É um desrespeito para os judeus a exposição do corpo morto, pois a pessoa deve ser lembrada somente como era em vida. Em voz alta, é feita a leitura de salmos e declarações sobre as virtudes do falecido e durante a cerimônia é proibido comer ou beber.
É comum também que pais, irmãos, filhos e cônjuges rasguem as roupas em algum momento do enterro: sete parentes enlutados rasgam um pedaço da própria roupa em alusão ao coração dilacerado pela perda. Tão comovente esse gesto!
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Cristianismo
Essa é a nossa praia, o ritual mais comum no mundo ocidental. Após a morte, o corpo é vestido com as roupas preferidas do falecido antes dele ser colocado no caixão. É parte da tradição que o corpo seja velado por horas, para que a alma possa se desprender da sua casa física e descansar. O caixão fica aberto para que os presentes toquem o corpo e dirijam-lhe as últimas palavras. Coroas de flores são encomendadas em sinal de amor e enfeitam tanto o velório quanto o local do sepultamento, e simbolizam a “primavera da vida que floresce na eternidade”. Os crisântemos são as flores preferidas pelos brasileiros para homenagear quem já morreu.
Durante o velório e pouco antes do enterro, os católicos fazem as orações finais comandadas pelo padre, a autoridade religiosa. Ele faz as exéquias, um conjunto de rezas para “encomendar o corpo” para a vida eterna. A política de vestimenta pede que os familiares e amigos usem, durante a cerimônia, vestes sóbrias e respeitosas, sendo o preto um sinal de luto respeito, a exceção dos protestantes que não adotam essa cor como oficial do luto.
Após 7 dias da morte, familiares encomendam uma missa na igreja que costumam frequentar. Amigos também são convidados e novamente orações são oferecidas a alma daquele que partiu. Não é tão comum, mas a cada aniversário de morte também pode ser encomendada uma missa em homenagem ao falecido.
“Se quiseres poder suportar a vida, fica pronto para aceitar a morte”
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