Cremar ou enterrar faz alguma diferença?
Quando morre alguém, vem a dúvida sobre qual ritual seguir: cremar o corpo ou sepultar?
Quando a pessoa que se foi não deixou expresso seu desejo, podemos ficar na dúvida sobre proceder com o corpo. Mesmo quem ainda está vivo, muitas vezes pensa sobre esse assunto, quando imagina sua morte. Existe muito preconceito e desinformação a esse respeito e as crenças religiosas também acabam direcionando nossa ideia sobre o que é melhor.
“Morrer não é acabar, é a suprema manhã”
São questões curiosas que determinam porque enterramos e velamos nossos mortos. Fazemos isso de forma tão automática, que nem sempre perguntamos o porquê de fazemos dessa forma. E como veremos nesse artigo, as razões que nos fazem manter esses rituais são bem curiosas e, talvez, arcaicas.
Além disso, questões sociais também determinam o rumo das coisas, pois, a morte tem custos que nem todos estão preparados para arcar. São, então, muitos elementos a se considerar.
Mas e espiritualmente? Será que existe um “certo e errado” entre a cerimônia de cremação e o sepultamento?
Por que enterramos nossos mortos?
Já se questionou a respeito disso? Basicamente, existem razões históricas para o sepultamento. A mais forte delas está ligada a religião: no Brasil, somos católicos, em sua maioria. E o catolicismo, apesar de não se opor a incineração dos cadáveres, recomenda o sepultamento como forma de demonstrar respeito aos mortos. A cremação era, além disso, uma prática considerada pagã, o que explica a força do ritual para nós brasileiros.
“Temam menos a morte e mais a vida insuficiente”
A crença na ressurreição é o motivo da preferência pelo sepultamento. Para quem leva esse dogma de forma literal, é essencial que o corpo ou restos mortais sejam preservados, pois, caso não seja, como aquela alma poderá voltar a vida quando as trombetas tocarem e o julgamento final suceder? Muita gente nem se dá conta que seguimos enterrando nossos mortos em função dessa crença. Como para o catolicismo não existe a vida após a morte e todos estão adormecidos, esperando pelo julgamento. Destruir o corpo é impedir que aquele espírito retorne e vá viver a vida eterna ao lado do Pai.
Mas não foi o catolicismo que inventou o enterro. Mas o questionamento sobre o que ocorre após a morte é o motivo pelo qual esse hábito foi criado, milênios atrás. Foi quando o cérebro dos primeiros hominídeos começou a se desenvolver, que o homo sapiens passou a ter capacidade de pensar em algo mais do que achar comida, abrigo e se reproduzir. A sobrevivência deixou de ser algo automático e passou a precisar de um sentido, uma explicação. As famosas questões “de onde viemos” e “para onde vamos” começaram a ser feitas e, com elas, o tratamento diferenciado aos mortos passou a fazer parte da cultura. Antes disso, os primeiros homens simplesmente abandonavam os mortos pelo caminho, conforme mostram algumas evidências fósseis. Reunir os mortos em covas está diretamente relacionada com o aparecimento da espiritualidade e com a capacidade de pensar.
Para entender a história com mais precisão, é necessário diferenciar o termo sepultamento de enterro. Enterro é o que fazemos, cavando uma cova para enterrar o corpo dos mortos. O sepultamento, diferente do enterro, consiste em colocar o corpo em uma sepultura e não em uma cova. Normalmente, os sepultamentos eram feitos dentro de igrejas, até que ficou insustentável, pois a população cresceu muito e não havia mais espaço para tantos corpos. Assim nasceu o enterro.
No Brasil, os sepultamentos em igrejas existiram até a década de 20, quando foram construídos os primeiros cemitérios. Antes disso, apenas escravos e indigentes eram enterrados.
O velório
Assim como o sepultamento, o velório também tem razões históricas e religiosas para acontecer. A falta de tecnologia para atestar uma morte foi a razão. Por diversos motivos como, por exemplo, o álcool, uma pessoa poderia aparentar ter morrido mas ainda estar viva. A narcolepsia alcoólica começa a ocorrer na Idade Média, quando utensílios como copos e pratos começam a fazer parte da cultura e serem utilizadas para consumir o álcool.
Para evitar que pessoas fossem enterradas com vida, a vigília se estabeleceu como método de segurança para certificar que o morto estava, de fato, morto. E para iluminar esse período de observação a companhia eram as velas, e, por isso, o nome da cerimônia acabou sendo velório.
Algumas religiões além da católica têm outra razão para a existência dos velórios: a crença de que o espírito está preso ao corpo após a morte durante o período de 24hs. Somente após esse tempo é que o corpo fica livre e pode ser enterrado, sem prejudicar a alma do morto.
Cremação
Será que cremar faz mal ao espírito?
Cremação é uma técnica funerária que visa reduzir um corpo a cinzas através da queima do cadáver, uma das práticas mais antigas da humanidade, talvez quase tão antiga quanto o enterro dos mortos. Alguns povos utilizavam a cremação para rituais fúnebres: os gregos, por exemplo, cremavam seus cadáveres por volta de 1.000 a.C. e os romanos adotaram a prática por volta do ano 750 a.C. Nessas civilizações, como a cremação era considerada um destino nobre aos mortos, o sepultamento era reservado aos criminosos, assassinos, suicidas e aos fulminados por raios. Sim, os raios eram considerados uma maldição divina e, quem morria dessa forma, perdia o direito a cremação.
Como já falamos, a igreja católica não gosta muito da cremação. Até 1964, ela não permitia que seus fiéis fossem cremados em função da crença na ressurreição o respeito aos mortos. Por isso o hábito de enterrar os corpos ainda é tão forte no Brasil e no ocidente.
“Talvez a morte tenha mais segredos para nos revelar que a vida”
Já o espiritismo tem uma visão diferente sobre a incineração corpos. Não se opõe, mas recomenda que seja feito após 72 horas, para que o espírito tenha tenho suficiente para se desconectar do corpo que habitou por tanto tempo.
No livro “O Consolador” – Pergunta 151, – “O espírito desencarnado pode sofrer com a cremação dos elementos cadavéricos?” Através de Chico Xavier, Emmanuel responde que: – “Na cremação, faz-se mister exercer a piedade com os cadáveres, procrastinando, por mais horas o ato de destruição das vísceras materiais, pois, de certo modo, existem sempre muitos ecos de sensibilidade entre o Espírito desencarnado e o corpo onde se extinguiu o “tônus vital”, nas primeiras horas sequentes ao desenlace, em vista dos fluídos orgânicos que ainda solicitam a alma para as sensações da existência material”.
Em “Lições de Sabedoria” – CAP. IV – Corpo na Transição, suicídio e reencarnação”, Dra. Marlene Nobre pergunta a Chico Xavier, se o espírito sente os efeitos da cremação do corpo físico, e quantas horas devemos esperar para efetuar a cremação, e Chico Xavier responde: – “O abnegado benfeitor Emmanuel, em outra ocasião, questionado sobre o assunto, afirmou que o tempo ideal para a cremação do corpo, desocupado pelo inquilino ou pelo espírito que o habitava é de 72 horas, de vez que, além da chamada morte clínica, o espírito liberado, em muitos casos, ainda está em processo de mudança, retirando aos poucos os remanescentes da sua própria desencarnação”.
Mas essa é a visão espírita. Vale lembrar que nas tradições orientais a cremação é a prática padrão, realizada sem essa preocupação da ligação entre o espírito e o corpo. A cremação é, desde muitos anos, considerada nobre.
O que é melhor então?
O que o coração mandar e o que for viável financeiramente para a família. Há uma beleza imensa nas duas práticas de lidar com a morte.
Esquecendo os dogmas religiosos, quando enterramos, pode-se dizer que seguimos o fluxo natural das coisas: a transformação. Embaixo da terra, os corpos são consumidos pelos organismos vivos, que decompõem o que resta de nós. A princípio é aflitivo pensar nisso, mas pare um instante e reflita: quando somos enterrados, damos frutos mesmo após a morte. Servimos de alimento para outros seres, adubamos a terra, nos integramos com a natureza. Acima de nós, toda uma fauna pode ser gerada a partir daquilo que restou de nós. Não é lindo pensar que, depois de mortos, podemos fazer parte da terra e ajudar a criar uma árvore? Que flores podem nascer a partir da decomposição de nossos corpos?
O mesmo acontece quando escolhemos a cremação. Se ela também pode ser aflitiva, por outro lado imaginar que a fumaça vai levar para os resquícios de vida que o nosso corpo contém, é mágico. Seremos carregados pelo vento, indo pousar nos mais diferentes locais da natureza, onde também teremos a chance de nos integrar com ela. Além disso, a cremação também ajuda com o luto, ao contrário do sepultamento, pois o corpo deixa de existir e nos damos conta mais rapidamente e que nada somos. Quando enterramos alguém, essa sensação de que a pessoa “está lá” permanece, o que explica a quantidade de visitas aos cemitérios, cheias de pesar. Quando cremamos o corpo, nada resta dele além das cinzas e pequenos fragmentos de osso, e esse forte impacto é suficiente para nos fazer entender que a vida não é o corpo.
Quando temos a escolha, ou seja, pensamos e deixamos claro o que queremos que seja feito de nós após nossa partida, podemos pedir que as cinzas sejam espalhadas em um local especial para nós, com algum significado. E lá estaremos para sempre.
“Quando sentimos que a mão da morte nos pousa no ombro, a vida ilumina-se de outra maneira e descobrimos em nós mesmos coisas maravilhosas de que nem sequer suspeitávamos”
Cremados ou enterrados, voltaremos à natureza e viveremos eternamente na lembrança daqueles que amamos. A vida que levamos é mais importante do que a morte que teremos. Tanto fazem os rituais, que, na maioria das vezes, são feitos para a gradar e consolar aos homens. Ao espírito, uma vez liberto, só interessa seguir sua jornada.
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