Os três princípios do dharma: a libertação das encarnações
Esse texto foi escrito com todo o cuidado e carinho por um autor convidado. O conteúdo é da sua responsabilidade, não refletindo, necessariamente, a opinião do WeMystic Brasil.
“O homem semeia hoje a causa, Deus amanhã amadurece o efeito”
Tudo que fazemos na vida nos traz consequências. Se, quando agimos de forma contrária às leis divinas geramos o famoso carma, quando embarcamos na jornada do descobrimento sobre as verdades da vida estamos materializando o dharma em nossas vidas. O dharma é, inclusive, a única forma de nos livrarmos da roda das encarnações, também conhecida como Roda de Samsara. Quer saber o que é dharma e como usá-lo a seu favor? Leia o artigo até o final!
O que é Dharma?
Darma é um conceito-chave, com múltiplos significados no hinduísmo, budismo, siquismo e jainismo. Portanto, o significado da palavra dharma depende do contexto e evoluiu à medida que as ideias do hinduísmo se desenvolveram ao longo da história. Nos textos mais antigos, o darma significava a lei cósmica. Em Vedas posteriores, o significado tornou-se refinado, mais rico e complexo, e a palavra dharma foi aplicada em contextos diversos.
Em certos contextos, o darma designa comportamentos humanos considerados necessários no universo, princípios que impedem o caos, os comportamentos e as ações necessárias a toda a vida na natureza, na sociedade, na família e no nível individual. Com respeito ao seu significado espiritual, pode ser considerado como o “Caminho para a Verdade Superior”. O darma é a base das filosofias, crenças e práticas que se originaram na Índia. A mais antiga dessas, conhecida como hinduísmo, é o Sanatana Dharma ou “Darma Eterno”, que ensina que os seres que vivem em harmonia com o dharma alcançam mais rapidamente o mocsa, o Dharma Yukam, o nirvana ou libertação da Roda de Samsara (ciclo de reencarnações ou carma).
Assim, podemos dizer que de certa forma, apesar da amplitude do conceito, dharma é toda e qualquer ação que nos alinhe com a luz e o despertar da nossa consciência, enquanto que o carma seria o oposto, a colheita das ações negativas que temos em vida e que atrasam o nosso crescimento. Por isso, quanto mais dharma, mais livres do carma ficamos. O dharma está totalmente ligado ao exercício de uma tarefa espiritual, ordem social, conduta reta ou, simplesmente, virtude.
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Diferença entre carma e dharma
O dharma é uma força superior, que contempla a verdade do existir. Não há como lutar contra o dharma, pois ele é a verdade da vida e da nossa essência espiritual. Agir de forma contrária ao dharma traz muito sofrimento, dor e frustração, e nos prende na roda das encarnações. O dharma permeia tudo e todos, dando significado para a existência de cada ser, seja ele vivo ou inerte. Por exemplo, é dito que o dharma do fogo é iluminar e aquecer, que o da água é fluir e saciar a sede, e assim por diante. A compreensão do nosso dharma serve de base para o autoconhecimento e autoaprimoramento. Desse modo, cada um deve perguntar a si mesmo “qual é o meu dharma?”. Essa resposta pode ser encontrada através do estudo, da introspecção e da orientação de mestres espirituais.
Já o carma é uma essência individual, o resultado das ações e posturas adotadas em todas as vidas de um ser no decorrer de todas as reencarnações, pois essa energia fica contida no seu mais elevado espírito e vai orientar as experiências que serão vividas na próxima vida. O carma é a Lei de Causa e Efeito, fruto das ações individuais, mecanismo que molda a vida para construir uma existência de um indivíduo e permitir a evolução. O carma, ao contrário do que muito pensam, é a bênção do aprendizado e é essencial para a evolução do espírito. A ideia é se libertar do carma, para que o nascer e renascer na matéria não seja mais necessário. E como vencer o carma? O dharma é a resposta!
“Parentes e casamentos são perfeitos sinônimos de karma ruim. Há exceções, por isso existe o dharma”
Como se beneficiar com o Dharma?
Seguir o dharma é deixar fluir o rio da vida e não tentar mudar o curso natural das coisas. Ele é a busca da verdade, o equilíbrio perfeito entre autoconhecimento e a força necessária para lidar com as verdades da vida. Conhecer o dharma é conhecer a essência do homem e sua origem divina, é acordar para a realidade que nos cerca e através dela evoluir. Seguir o dharma tem a ver com aceitação, resiliência, empatia, fraternidade e despertar. Quem usa o dharma a seu favor, consegue enxergar as lições escondidas no sofrimento e aceita essa condição da vida sem negar esse aspecto da existência. Buscar o dharma é sair da caverna e enfrentar a realidade que nem sempre é agradável.
“Para descobrir o que é correto (dharma) e o que é incorreto (adharma), aplique este simples teste: se vai contra a Verdade e o Amor, é incorreto; se promove a Verdade e o Amor, ou é repleto destes, é correto”
Ao encontrar seu mais profundo significado a pessoa será capaz de lidar com qualquer questão com maior superioridade e entendimento do que ocorre em sua vida. O desapego e o gerenciamento dos desejos também estão ligados ao dharma e a uma visão de vida mais espiritualizada.
Os 3 fundamentos do Dharma
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Anicca
Anicca representa a impermanência, a constante transformação e movimento que fazem da vida o que ela é. Nada é imutável e nada acontece na inércia. Tudo o que conhecemos está baseado no princípio da impermanência, uma das dádivas das leis divinas. Sabe aquele ditado de avó que diz “não há bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe”? Pois é. Essa é uma sabedoria profunda sobre os princípios da vida, e conhecer esse aspecto da existência é o primeiro elemento do Dharma. Os fenômenos são impermanentes devido à sua natureza composta, ou seja, existem a partir de causas e condições e, quando essas causas e condições cessam, o fenômeno cessa também. Tudo, um dia, acaba e se transforma em outra coisa. Os relacionamentos acabam, governos caem, guerras que parecem infinitas sempre chegam ao fim. Nações e impérios são criados, e da mesma forma terminam. A vida, a existência humana está também destinada a um fim, que é mais uma transformação do que um término permanente, já que quando morremos apenas mudamos a nossa condição e a dimensão que habitamos.
E, quando percebemos que nada é eterno, fixo e imutável, fica mais fácil lidar com as perdas da vida e as dificuldades que encontramos pelo caminho. Conseguimos, através desse princípio do Dharma, deixar de lado o nosso apego exagerado e percebemos que os nossos desejos são apenas fontes de frustração, já que nada dura para sempre. A anicca também faz com que seja possível compreender que o nosso corpo também é transitório, apenas um veículo, uma roupa que vestimos para viver uma determinada experiência na matéria, e que não somos esse veículo. Esse princípio abre a nossa mente e nos lembra quem somos, o eterno AGORA em constante mutação.
“Nenhum homem pode banhar-se no mesmo rio duas vezes, pois, na segunda vez, o rio já não é mais o mesmo e nem tampouco o homem”
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Dukkha
Dukka representa a roda de sofrimento que nos prende nas encarnações. Esse princípio representa o sofrimento e a insatisfação, muito alinhado a primeira nobre verdade que nos ensinou Buda após atingir a iluminação: o sofrimento existe. Para quem cria em torno de si um mundo cor-de-rosa onde o sofrimento não tem espaço, essa afirmação pode parecer pessimista, mas, na verdade, é essa verdade sobre a vida que nos traz alguma paz ao coração e nos faz enxergar o mundo como ele é. Quem recusa o sofrimento está cego e abre mão de usá-lo para o crescimento. São pessoas muito autocentradas que usam sua experiência individual para compreender o mundo, e, especialmente quando essa experiência possui privilégios e facilidades, essas pessoas tendem a não desenvolver a empatia necessária para compreender a realidade e fazer brotar no coração a fraternidade, virtude essencial para a evolução espiritual.
Quando compreendemos que a vida na matéria está baseada no sofrimento e não na felicidade eterna, conseguimos enfrentar os problemas com calma e evitar o vitimismo e a revolta. Muita gente se sente injustiçada quando algo não sai conforme o esperado, mas, afinal, quase sempre as coisas não saem conforme o esperado para todas as pessoas. Todos, absolutamente todos os seres humanos enfrentam dificuldades e sofrimento. A Terra é um planeta escola, de expiação, logo, ninguém vem para cá para ser feliz e sim para aprender. A felicidade até é parte da jornada, mas não o objetivo de nenhuma encarnação. Aliás, a felicidade depende totalmente do despertar da consciência e da percepção da verdadeira essência da realidade que nos cerca, caso contrário, ficaremos eternamente buscando a felicidade nos elementos que a matéria tem a oferecer, como sucesso, êxito profissional, fama e dinheiro. E sabemos que a felicidade não reside em nada que seja externo ao ser humano, embora esses elementos possam sim trazer alguma alegria e conforto. Não há nada de errado com eles, portanto. O erro está em perseguir esses elementos como se somente através dele fosse possível ser feliz e eles fossem o objetivo da vida.
Todos os seres humanos buscam a felicidade e procuram se afastar do sofrimento: no entanto, nessa busca de felicidade e dentro da própria felicidade encontrada estão as sementes de sofrimentos futuros, pois a felicidade não pode ser encontrada Ela é um estado de espírito. Quanto mais almejamos a felicidade, mais desejos vamos sentindo e mais frustração atraímos para nós. Funciona da seguinte maneira: sofremos porque não temos algo, porque conseguimos algo e temos medo de perder, porque temos algo que parecia bom, mas agora não é tão bom assim ou porque temos algo que queremos nos livrar e não conseguimos. E, se depositamos nas coisas a nossa felicidade, essa busca em si será fruto de sofrimento. Podemos ver, então, que mesmo que tenhamos sucesso na nossa experiência de felicidade, ela mesmo pode se tornar causa de uma experiência de sofrimento. Dukkha representa todo esse ciclo, e a insatisfação que nunca será saciada enquanto seguirmos esse ciclo. Somente quando encontramos as causas-raiz de dukkha, é que conseguimos destruí-las e então a vida humana pode se tornar feliz e próspera.
“O homem que teme o sofrimento já está sofrendo pelo que teme”
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Anatman
Anatman significa “não-eu”, ou “não-self”, e indica que nada é provido de uma existência isolada e independente do todo. Parecemos isolados dentro do nosso corpo, mas essa é uma ilusão típica da matrix que conhecemos por matéria. A ideia de “não eu” nega a existência de uma essência pessoal imutável e independente e desperta nossa mente para a conexão que há entre tudo que existe. Quanto mais individualizados nós somos, mais sofrimento vamos gerar para nós e também para quem nos cerca. De todos os princípios do dharma, esse é o que mais carece a humanidade, pois quase todas as pessoas ainda se encontram dormindo com relação ao todo, vivendo vidas dedicadas somente para si mesmas onde o “primeiro o meu, primeiro eu” é o pensamento que orienta as ações. É o famoso cada um por si, sabe? Mas, quando entendemos que não existe um eu mas sim apenas o nós, o olhar que lançamos para a vida se modifica completamente e a realidade passa a ter um outro sentido para nós, assim como o sofrimento das outras pessoas passa a ter uma outra importância em nossas vidas.
Os budistas afirmam que a noção de um “eu” permanente é uma das principais causas das guerras e conflitos na história humana e que, vivendo de acordo com a noção de anatta ou não eu, podemos ir além de nossos desejos mundanos. E essa ideia faz todo o sentido, pois é fato que a história humana é baseada no ego e que essa orientação mental foi responsável por derramar muito sangue. Tudo o que construímos, especialmente aquilo que mais nos orgulhamos, tem base no ego. As nações em si são a maior expressão do individualismo humano, pois o mundo foi construído sem fronteiras; elas estão apenas nas convenções. Parece lindo, também, ser nacionalista, mas não existe sentimento mais egoísta que esse quando pensamos em cidadania e globalização. Muito sofrimento poderia ser evitado se derrubarmos as barreiras invisíveis que separam os países e os povos.
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