Omolú: Orixá de Minha Devoção, por Arthur Guedes
Eu me recordo, hoje mais saudoso do que nunca antes, da casa de minha bisa-avó. Agosto era sagrado. Já se esperava dela um silêncio quase absoluto e uma compenetração que para nós, que vivíamos em volta dela, uma sensação que não era desconforto, mas respeito misturado em temor. Essa sensação quase “não humana” que tínhamos pouco poderia se comparar a sensação poderosa do transe que recaía sobre o corpo e o espírito dela. É que agosto pertence a Obaluaiê, também conhecido como Omolú e, minha biza–avó, pertencia a Nanã: orixá líder da família Ijí. Mãe de Obaluaiê. Em verdade, em agosto não desfrutávamos da presença da nossa matriarca. Experimentávamos algo mais poderoso. A frente da casa sempre coberta por pipoca recém estourada.
Na terceira semana do mês uma profusão de cheiro e cor tomava conta da cozinha porque era a noite de ofertar tributos, orações, rezas milenares e comida aos orixás que ficavam uns num quarto nos fundos da área e outros “assentados” pelos dois corredores laterais em meio as plantas. Convivíamos com encanto do orixá.
Quem é esse orixá?
Aqui no Brasil, no Candomblé, é comum que orixá tenha múltiplos epítetos e por isso Omolú poderá também ser chamado de Obaluaiê, Oluaiye, dentre outros. Há quem diga que sejam todos a mesma divindade e há quem defenda que são distintos. Obaluaiê antes de ser o deus da cólera é o senhor da cura. Ele é quem domina as pragas, as enfermidades (especialmente as que atingem a pele), o segredo que more embaixo da terra que pisamos. Esse orixá possui sim uma grande ligação com Ikú, o orixá da morte. Mas ele não é Ikú. Omolú não é a morte e a misericórdia e os seus mistérios mágicos ancestrais é que podem ser, por vezes, a solução para a morte.
No mês de agosto se comemora o Olubajé: a festa dedicada a Omolú e sua família, a família Ijí, família akarajebi, o povo da terra, da lama, dos lodos, do barro. Dos mistérios que rondam a criação do mundo, do nascimento e da morte. Omulú é um orixá cultuado para todos os fins, pois é poderoso em tudo! Mas é de grande costume cultuá-lo para fins de saúde ou para obter vitória sobre a miséria.
A beleza de Omolú é também uma das passagens e características mais marcantes. Conta-se que ele era extremamente ferido na pele, sofria de úlceras e lepras e ao ser curado suas feridas saltaram da pele e transformara-se em flores de pipoca. Omolú que antes se escondia debaixo do azê (vestes de palha-da-costa que cobrem toda a cabeça e corpo) por vergonha, agora segredava sua beleza, pois seu rosto reluzia como o sol. E esse é um dos títulos desse orixá: o rei do sol.
O nome Omolú surge da expressão original em ioruba “omó ilú” = filho da noite. Ilú é a mãe desse orixá, a noite! Que aqui no Brasil conhecemos por Nanã: deusa do portal entre a vida e morte, a senhora da cor de anil, o anil escuro que toma conta do céu quando o sol se põe.
As comidas de Omolú
Umas das comidas sagradas mais ofertadas e apreciadas por Omolú é o deburú: milho de pipoca estourado, tradicionalmente coberta por lascas de côco maduro. O deburú é símbolo da cura, da saúde, da revitalização do corpo e da mente. Esse orixá também aprecia feijão preto cozido, farofa de banana da terra no azeite de dendê, porco e aluá, a bebida do transe.
Arquétipo
Há uma consideração popular que diz que os filhos desse orixá são pessoas silenciosas e ranzinzas, aderindo a personalidade introspectiva do pai. Omulú aprecia o silêncio e a reflexão. Por isso é saudado com a frase “atotô”: silêncio! o rei da terra está entre nós. As pessoas regidas por esse orixá são sempre solicitas, prestativas e preocupadas, embora sejam de poucas palavras, pois falam com os olhos e com os gestos. Comumente são pessoas que de tempos em tempos, recaem em enfermidades, ou nascem já com problemas crônicos. São pessoas que assim como os iniciados para Xangô e Oyá, precisam manter culto constante aos seus ancestres.
Olubajé: o banquete do rei!
O festejo do Olubajé, a festa dedicada a esse orixá, representa a abertura de um grande portal que se abre para unir a nós, os vivos, com nossos ancestrais através das cantigas e entoações. Olubajé é a época do ano em que nos recordamos que viemos do barro, do pó, e que para lá voltará os nossos corpos e, o nosso espírito, para a casa do renascimento. O Olubajé é também caracterizado por uma enorme fartura de comidas sagradas ofertadas ao público que, enquanto comem e louvam, fazem seus pedidos e se libertam de suas cargas e fardos pois o festejo em si é um grande ritual de limpeza. No final de tudo, Oyá, o orixá que junto a Omolú e Nanã conduz os mortos, se manifesta para sair com o último balaio, a oferenda final, levando todos aqueles pedidos e clamores aos pés de Omolú.
Oferenda para Omolú
Você vai precisar de: milho de pipoca, um côco seco e uma vela branca.
- Estoure a pipoca em uma panela de fundo fino, de preferência sem nenhum tipo de óleo, mexa bem o milho sem parar até começar a estourar. Caso haja dificuldade, pode ser usado dois fios de azeite de oliva.
- Colocar a pipoca em um balaio de palha, não importa o tamanho. Cobrir a pipoca com lascas de côco, enfeite tudo com muito amor fazendo seus pedidos.
- Procurar uma mata fechada e se localizar em uma árvore frondosa.
- Saudar o orixá dizendo: Atotô Obaluaiê, meu grande pai, lhe peço licença para lhe fazer essa oferta.
- Passar toda a pipoca no corpo inteiro, dos pés à cabeça, fazendo suas preces enquanto deixa tudo cair aos pés da árvore.
- Após finalizar, acender a vela COM CUIDADO observando sempre o local para evitar acidentes com fogo.
- Logo após ir para casa, se possível tomar banho com folhas frescas maceradas em água: manjericão, alecrim, boldo, saião ou colônia.
- Vestir roupa branca e repousar.
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