Permita-se não julgar e evolua espiritualmente
Esse texto foi escrito com todo o cuidado e carinho por um autor convidado. O conteúdo é da sua responsabilidade, não refletindo, necessariamente, a opinião do WeMystic Brasil.
“Uma das mais belas lições que tenho aprendido com o sofrimento: não julgar, definitivamente não julgar a quem quer que seja”.
O não julgamento tem sido uma lição passada por quase todos os grandes mestres que passaram pela Terra e podemos dizer que é uma premissa básica da espiritualidade. A frase acima, no caso, é do grande espiritualista Chico Xavier, que contribuiu muito para a evolução da consciência brasileira e também mundial.
O pensar exige que façamos algum julgamento sobre as coisas, no sentido de analisar e questionar. Sem um certo nível de generalização e avaliação é impossível conceituar o que quer que seja. Isso posto, é importante ressaltar a diferença entre pensar e questionar do julgamento negativo que fazemos sobre as pessoas e suas decisões e atitudes.
O julgamento não saudável é aquele que aponta o dedo, que critica de maneira destrutiva e sem empatia ou compaixão. Ele se baseia em noções parciais sobre a realidade do mundo e do outro, assumindo como verdade a nossa própria experiência. Assim, o não julgamento é uma das atitudes mais espirituais que podemos ter, que nos traz qualidade de vida, tranquilidade emocional e crescimento. O não julgamento é uma dupla oportunidade de aprendizado: exercitamos nosso amor e empatia e podemos receber ensinamentos através dos enganos daqueles que nos rodeiam.
Não devemos perder tempo apontando o dedo para os outros e sim aproveitar cada oportunidade para nos avaliar. Também é preciso considerar que, quando perdoamos alguém, também estamos perdoando a nós mesmos. Nos libertamos da dor, das emoções tóxicas e dos sentimentos negativos que o ressentimento e a mágoa plantam em nossa alma e nos tornamos mais livres e próximos da sabedoria e amor divino.
A relatividade do ato de julgar
Todos os valores sociais são construções com bases históricas e até mesmo as concepções espirituais do mundo não fogem da influência social e interesses políticos. Para nós, vivendo essa experiência na matéria, é mais fácil discernir entre o certo e errado quando pensamos em morte por exemplo. Não que isso nos impeça de tirar a vida de outras pessoas, mas ao menos o conceito não está aberto ao debate como algumas discussões que ainda existem em torno de determinados temas em pleno século XXI. Matar é errado e pronto. Porém, nossa experiência de aprendizado não se resume somente em aprender a não matar, embora estejamos muito longe de refletir na realidade essa lição.
Podemos com toda a certeza afirmar que todo julgamento que somos capazes de fazer é parcial, mesmo quando são análises que visam a evolução e não a crítica e destruição do outro. Para nós, não é difícil olhar um psicopata e pensar “eu jamais faria isso” ou “como é possível que ele tenha cometido esse ato tão terrível?”, entretanto, será que conseguimos ter a capacidade de identificar em nós mesmos o que fazemos e que em termos espirituais pode ser completamente contra os preceitos divinos?
Essa ideia é simples de compreender. Será que se Buda estivesse nos olhando gritar com nossos filhos também não se chocaria? Será que se Jesus nos observasse de fato, não ficaria admirado a cada vez que viramos as costas à pobreza e fechamos a janela do carro na cara de uma criança faminta? Gandhi se entristeceria com o simples ato de mantermos presos em gaiolas pássaros que foram feitos para a liberdade? Ou quando arrancamos uma flor de seu jardim, só porque a achamos muito bonita e queremos um pouco daquela beleza para nós?
A parcialidade do julgamento está diretamente ligada ao nível de evolução da consciência que temos. Somos tão embrutecidos que matamos mesmo sabendo que é totalmente inaceitável, apesar de termos esse valor em nosso horizonte. E com certeza cometemos atos que nem sequer nos damos conta e que ferem os princípios espirituais, tanto quanto tirar a vida de outra pessoa.
Sempre julgamos com base em nós mesmos e de acordo com nossa consciência e, saber disso, deveria ser o motivo principal para adotarmos o não julgamento em nossas vidas e a aceitação de tudo aquilo que se apresenta para nós com amor, compreensão, compaixão e empatia.
Preconceito: o pior julgamento
Temer a diferença e o desconhecido é quase uma lei de sobrevivência, profundamente arraigada em nossa cultura e dentro de nós. Identificar o perigo que o outro representa pode ter nos ajudado a chegar até aqui, porém, ao longo da história, a opressão e separação vem se apoiando nessa noção para julgar e oprimir pessoas das maneiras mais terríveis possíveis.
Preconceitos estabelecem que o comportamento do outro, suas crenças, aparência, nacionalidade, orientação sexual, gênero ou raça são um risco e nos afastam completamente da ideia do não julgamento. Eles se utilizam de características sobre as quais as pessoas não tem controle para inferiorizar e legitimar a violência contra elas, favorecendo grupos de maior influência ou considerados superiores pela própria ignorância que o preconceito alimenta.
O preconceito é caracterizado pela falta de fundamento crítico e que tem origem em pessoas que se limitam a enxergar o mundo única e exclusivamente de acordo com sua própria subjetividade. Essas pessoas tendem a julgar e externalizar sentimentos de forma agressiva e carregados de ódio, o que traz consequências terríveis para toda a sociedade.
A misoginia é um grande exemplo, pois é o preconceito mais antigo de que se tem notícia. A demonização do feminino é responsável pela construção de quase todos os valores sociais e até mesmo a linguagem é masculina. Nem mesmo Deus conseguiu escapar dessa visão, que sugere que a energia criativa do universo seja, obviamente, masculina. A vida sexual e a capacidade intelectual da mulher também sofrem essa influência e temos na história uma eliminação proposital de figuras femininas proeminentes na ciência, artes e na sociedade em geral. O que vestem, o que comem, o lugar que frequentam e outros fatores são usados como argumentos para inferiorizar as mulheres e subjugá-las. Até mesmo quando sofrem violência é mais do que comum culpá-las pelas agressões e inocentar o agressor.
Outro preconceito que revira o estômago é o de raça. Especialmente no Brasil temos a cultura de julgar com base na cor da pele, uma prática revoltante, nociva e mortal. O preconceito racial também é um dos juízos pré-concebidos mais antigos do mundo e sua existência é relatada em diferentes períodos históricos. O impacto desse tipo de preconceito é imenso, causando a morte de muitos jovens e mulheres, condenando a marginalidade toda uma etnia que fica impedida de estudar, construir carreiras de sucesso acessar boa saúde e ter uma vida minimamente digna. O sofrimento é imenso.
A não aceitação da sociedade multicultural e racial que vivemos é digna de vergonha e se opõe totalmente a ideia de não julgamento. Conceituar pela ótica do preconceito mata. E como todo tipo de julgamento, fala sobre quem julga e jamais sobre quem é julgado.
Olhar para si mesmo e a projeção que fazemos no outro
É sedutor julgar ao outro, já que o ato de criticar e falar mal de uma terceira pessoa cria uma aliança entre nós e a pessoa com a mesma opinião que a nossa. A fofoca e a detração são formas de julgamento e acompanham a humanidade desde o início dos tempos. Essa aliança é baseada no fato de que, ao reprovarmos um terceiro, criamos a ideia de que não somos como aquele terceiro e somos superiores, criando uma identidade e uma relação de amizade entre os julgadores.
Um pensador que nos explica esse conceito e nos aproxima muito da noção do não julgamento é o historiador Leandro Karnal em A detração: breve ensaio sobre o maldizer. Ele expõe no livro ideias que provocam profundas reflexões no leitor e que são intelectual e espiritualmente muito evoluídas, como por exemplo: todo julgamento fala muito mais sobre quem julga do que sobre quem é julgado.
O julgamento tem como objeto alguém, mas cada vez que apontamos o dedo para alguém há mais três dedos apontados para nós. Quando acusamos o outro ou algo no outro nos incomoda a ponto de fazermos criticas destrutivas, é porque esse “algo” encontrou um eco em nós, ou seja, a crítica revela as nossas dores. A psicanálise freudiana também sugere a mesma ideia, sintetizada na frase de Freud: “O homem é escravo do que fala e dono do que cala. Quando Pedro me fala de Paulo, sei mais de Pedro do que de Paulo”. Um outro exemplo que encontramos na psicanálise é a homofobia, que seria segundo essa abordagem teórica um choque entre dois homossexuais: aquele que aceita sua orientação sexual e aquele que a rejeita.
Quando julgamos de forma ferrenha ao outro, estamos não só expondo nossa alma, nosso valores e dores, como exercitando o egoísmo e mesquinhez. O exercício da empatia seria, talvez, o movimento contrário mais próximo do não julgamento, onde a compaixão faz com que a reflexão sobre a situação do outro possa ser possível. Será que, naquela mesma situação, não agiríamos nós mesmos daquela mesma maneira? Se, ao invés de julgar, tentássemos entender qual parte de nós se incomoda e porque, sem dúvida teríamos relações mais saudáveis.
Importante também é compreender que não somos os nosso erros, assim como o outro também não se resume aos enganos que comete. Sendo a Terra uma escola, almas em diferentes estágios evolutivos vivenciam experiências aqui e não há distinção de valor entre elas. O momento da jornada no qual nos encontramos não encerra em si nossa luz divina e, sem os erros, jamais teríamos oportunidades de crescimento e evolução.
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Setenta vezes sete: relevar o imperdoável
Nosso grande mestre Jesus nos passou essa profunda lição, que nos convida a fazer do perdão um estilo de vida a fim de que o mal não tenha a última palavra o que, obviamente, é a antítese do julgamento. Quando Jesus proferiu estas palavras ele respondia a Pedro, que lhe perguntou “Senhor, quantas vezes terei que perdoar a meu irmão, se pecar contra mim? Até sete vezes?” e ele responde: “Não te digo até sete, mas até setenta vezes sete vezes”.
Jesus também nos disse “Não julgueis para não serem julgados”, nos alertando que sendo nós imperfeitos não temos moral para julgar sem termos os nossos erros expostos como mau exemplo. O ser humano que é grande não julga, não precisa diminuir outra pessoa para se sentir superior e eleva-se moralmente por abrir mão de sua vaidade ao ajudar quem se encontra num momento evolutivo inferior.
O perdão não encontra limites e anda de mãos dadas com o não julgamento. Perdoar não é sinal de fraqueza e não significa esquecer nem negar o que é grave. Perdoar é um ato que exige uma liberdade e evolução espiritual tão grandes que é compreensível que seres menos evoluídos considerem como fraqueza acolher com amor quem comete erros. Não importa se o outro errou ou não, julgar a sua atitude significa condená-lo, excluí-lo.
Não cabe a nós definir o que é perdoável e o que não é, o que merece a compaixão humana e divina e o que não merece. Quando nos afastamos dessa concepção, do não julgamento, é quase como se nos decretássemos deuses encarnados dotados de toda a sabedoria divina e livre dos pecados, aptos a julgar e atirar a primeira pedra.
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