Umbanda sem tabus: uma nova abordagem sobre a religião
Entrevista com autor convidado WeMystic: Isa Menezes
Isa Menezes
Umbanda sem tabus: uma nova abordagem sobre a religião
Saravá, Time de Fé! Com a proposta de quebrar tabus, incentivar o conhecimento e acolher as mais diversas gerações, Isa Menezes, dirigente da Academia de Umbanda, desmistifica alguns dos maiores questionamentos acerca da religião — e te convida a abrir portas para novos conceitos, propósitos e experiências.
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Como dirigente da Academia de Umbanda, sua proposta é fazer com que essa nova geração de umbandistas, mais questionadora, siga indagando, estudando e se aprofundando cada vez mais sobre os fundamentos e princípios das doutrinas. Como surgiu essa iniciativa? Quais foram os questionamentos que levaram você a abraçar esse perfil?
Ao começar uma jornada de ir em terreiros, conversar com umbandistas e inclusive fazer parte da corrente mediúnica com o intuito de estar ombro a ombro em uma nova vertente, verifiquei ano após ano que mesmo mudando de endereço, mudando de vertente, mudando as doutrinas, os tabus permaneciam ali. Fiz parte de terreiro de quintal com 5 médiuns e de terreiro que era um verdadeiro galpão com mais de 200 médiuns.
O tabu sobre aprender apenas com a observação, de escutar que “ainda não aprendeu, pois não chegou o momento” ou “na hora certa, o santo te fala” era algo que sempre me incomodava. Não se incentivava o conhecimento, pelo contrário, havia uma clara indução à ignorância, como se o conhecimento fosse algo maléfico ou que fosse tirar o médium da corrente. E nisso, eu via médiuns totalmente perdidos, via lideranças do mesmo terreiro falando uma linguagem diferente e entendia cada vez mais forte que esse não era o caminho que me deixava confortável.
As pessoas precisam ficar na religião por fazer sentido para elas e não por dogmas ocultos e desconhecimento. E, a partir disso, eu assumi essa missão de começar a unir a fé com a história, pois somos seres pensantes e a religião precisa fazer sentido.
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Quais dicas você pode dar para quem deseja entrar para a Umbanda, ou ao menos conhecer melhor a religião? O que um iniciante, ou entusiasta, deve ter atenção na hora de escolher um terreiro, e se comportar dentro dele?
A melhor dica é: Não entrem apenas porque encontrou a porta aberta e nunca deixem de perguntar. Perguntem aos médiuns da corrente se há espaço ou um calendário para aulas, como é feito o desenvolvimento mediúnico e doutrinário. Mas o principal seria observar se há hospitalidade, se aquela poderá ser considerada a sua segunda família, se o ambiente é acolhedor para troca de experiências.
É importante entender se você concorda com o que é pregado ali, pois as doutrinas mudam a cada nova porta que você entra. A Umbanda não é Uno, é um religião de muitas bandas e você precisa entender quais dessas bandas vai se encaixar com a sua. Por isso, indico que conheçam diversos terreiros, que leiam sobre Umbanda, que vejam vídeos sobre Umbanda e que acompanhem quem está falando e ensinando sobre a origem e os fundamentos da Umbanda, que é o trabalho que fazemos incansavelmente.
E, se você entrou para uma corrente mediúnica e em algum momento entendeu que aquele terreiro não era para você, tudo bem sair e buscar seu melhor caminho. O terreiro é uma vivência essencial para o umbandista por ser o ambiente seguro para a nossa troca, mas a espiritualidade é individual e deve transbordar pelas paredes do terreiro.
“As pessoas precisam ficar na religião por fazer sentido para elas, e não por dogmas ocultos e desconhecimento.”
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Provavelmente uma das perguntas mais frequentes que vocês recebem é: “qual é o meu Orixá de cabeça?”. E entendemos que a Umbanda possui diversas frentes em que é possível obter essa resposta (búzios, astrologia, numerologia, dentre outras). Segundo a doutrina da Academia de Umbanda, é realmente essencial ter essa informação — assim que se adentra a religião?
Não é essencial, de forma alguma, aliás, o que eu sempre pergunto é “pra quê?” Por qual motivo a pessoa quer saber o orixá de cabeça quando ela acaba de entrar na religião? O que ela vai fazer de diferente? O que ela acha que vai mudar? E o pior é que muitas pessoas que nem são da religião também querem saber e dizem que é apenas uma “curiosidade”.
Então, costumo responder, já que é apenas por curiosidade, apenas para conversar entre amigos na mesa de bar, então escolha qualquer um que fica tudo certo, afinal, para quem não sabe para onde ir, qualquer caminho serve. Somos filhos de todos os orixás, somos compostos por todas as forças. Se a pessoa acaba de chegar na religião e já acha que essa informação é primordial para ela, das duas uma: Ou ela não entendeu a base da nossa religião ou ela quer se enganar.
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Ainda existem muitos tabus por trás da Umbanda, o que faz com que muitas pessoas se tornem céticas, criem teorias ou até mesmo tenham medo de frequentar um terreiro. Na sua opinião, quais seriam os principais tópicos que qualquer pessoa precisaria desmistificar a respeito da religião?
Os 6 principais pontos, para enchermos uma mão e lançarmos longe seriam:
- 1º – Sincretismo deixa as pessoas mais confortáveis (não é mais necessário e foi silenciador para nossa religião);
- 2º – Ensinamentos devem vir apenas de terreiros (quando na verdade podem e devem vir por todos os canais possíveis);
- 3º – Mediunidade é apenas um dom ( todos somos médiuns com sensibilidades diferentes, mas somos. Tudo pode ser desenvolvido, aprendido, modelado);
- 4º – Exu como demônio ou um anjo guardião de luz (Há de se ver a Umbanda fora do olhar católico europeu. As pessoas precisam aprender a esvaziar o copo e deixar de levar as coisas para os extremos católicos de céu ou inferno);
- 5º – Incorporação forte deve ser inconsciente (esse é um tabu triste e predatório para nossa religião, onde prega a possessão como sinônimo de incorporação);
- 6º – A Umbanda é caridade (a caridade deve ser uma virtude do ser humano e não bandeira de exclusividade da Umbanda, pois se for a nossa única bandeira, é muito pobre. A Umbanda vai muito além da caridade e essa pregação acaba marginalizando terreiros que seguem linhas originárias da Umbanda. A Umbanda é uma religião de caridade como todas as outras, mas tem seus rituais e momentos onde o dinheiro precisa girar, afinal, todo terreiro legalizado tem contas para pagar)
“O terreiro é uma vivência essencial para o umbandista por ser o ambiente seguro para a nossa troca, mas a espiritualidade é individual e deve transbordar pelas paredes do terreiro”.
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Ainda sobre esses mitos e tabus, muitos acreditam que, uma vez dentro da Umbanda, ou de um terreiro em específico, não há como sair sem consequências. O que você pode nos elucidar a respeito disso?
A única consequência que existe é não conseguir sair por se apaixonar por essa religião linda e ancestral, que coloca a natureza como sua maior fonte de força, que evoca as sabenças dos nossos antepassados, que nos guia em uma jornada de autoconhecimento. Não acreditem em dirigentes que dizem que irão te fazer mal se você sair, isso não existe. O que vai te fazer mal é a falta de conhecimento em se deixar amedrontar por ameaças sem fundamento, que se valem apenas do medo da outra pessoa para criar uma atmosfera de terror psicológico.
Terreiro é comunidade onde um cuida do outro, não é cárcere. Todos são sempre livres para ir e vir. Lembrem-se sempre: Um preto velho nunca aceitaria estar em um terreiro que não desse liberdade absoluta para os que pisam lá, pois nunca permitiriam uma nova escravidão em um chão deles. A ignorância é algo muito perigoso.
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Todos nós somos médiuns em algum nível; uns mais, outros menos sensitivos. Mas dentro da Umbanda, como funciona o processo de desenvolvimento dessa mediunidade? Como diferenciar os sinais espirituais de uma manifestação psicológica, por exemplo?
Cada terreiro tem seu processo de desenvolvimento mediúnico, normalmente, ocorrem em giras específicas ou em momentos específicos da gira, onde há uma atenção especial do dirigente incorporado (e até de outros membros da corrente mediúnica) para orientar e auxiliar cada médium, ainda funciona muito no modo “copia e cola”, de forma geral essa orientação não tem muito método, é apenas olhar para o lado para entender como é, sentir a “energia” e deixar se levar. No caso do meu terreiro temos uma preparação diferente para isso, visando a individualidade de cada médium, com métodos específicos para ajudar a entender esta conexão.
Temos o curso MITO – Métodos de Incorporação e Transe Orientado, onde entendemos que as pessoas são diferentes, então, nem todo mundo vai incorporar rodando ou vai conseguir uma boa concentração apenas com os pontos que são cantados, por isso, documentamos e estudamos diversas formas que auxiliam esse processo de incorporação e aprofundamento de transe mediúnico. Costumo falar que a incorporação em si é simples, o aprofundamento é que é bem diferente.
Em toda manifestação espiritual também há uma manifestação psicológica, mas não somente. Os sinais espirituais geram transformação, precisam ser capazes de gerar “avisos” que a pessoa não teria como saber, como aquela intuição, sonhos ou até mesmo uma reação corporal em determinadas situações.
“As pessoas precisam comemorar cada passo e não ter uma vida de expectativa. A Umbanda vive em festa, a nossa maior alegria é celebrar!”
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Qual é a diferença entre incorporação e transe mediúnico? Qualquer pessoa tem a capacidade de incorporar? Quais os cuidados que se deve ter ao manifestar uma entidade?
Para incorporar é preciso entrar em transe mediúnico, já para entrar em transe não é necessário incorporar. Na incorporação há uma conexão onde algumas de nossas faculdades são utilizadas pelo guia espiritual (os guias falam através da nossa corda vocal, usam nosso corpo para seu gestual com o encaixe do corpo astral e etc), no transe mediúnico há uma conexão, uma sintonia fina que permite a comunicação clara, mas não há um encaixe de corpos, não despende energia vital do médium.
E sim, qualquer pessoa pode incorporar e aprofundar seu transe mediúnico, o maior cuidado é entender o motivo da incorporação, não se baixa um guia para bater um papo no churrasco ou depois de umas cervejas na noitada. Os guias respeitam o espaço e a incorporação não é uma possessão. Os guias chegam em uma incorporação para um trabalho sério e em um momento sério. A maior reflexão é: Poder se pode tudo, mas qualquer um deve incorporar? Todos entendem o motivo da incorporação?
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Como neurolinguista e especialista em hipnose clínica, quais associações você pode fazer entre essas ferramentas terapêuticas com as práticas de Umbanda? A hipnose pode servir como facilitadora para incorporações e transes mediúnicos?
Toda e qualquer terapia ou vivência pode ser associada com as práticas da Umbanda. Gosto sempre de ressaltar que ser umbandista não está atrelado durante o tempo das giras, mas somos umbandistas 24h e todas as nossas ações e experiências constituem nossa consciência e no momento da incorporação ou transe, somos um meio de combinação de consciência entre o que já temos com a consciência do guia (gerando a 3ª consciência que é a frente responsável pelas consultas).
A neurolinguística e a hipnose ajudam no controle das emoções, na famosa “cabeça firme” que tanto se fala na Umbanda e como dirigente de terreiro, ajuda muito a ter uma comunicação mais eficiente. Mas a Umbanda já é tão ampla em seus rituais e cultura que eu prefiro utilizar os rituais próprios e deixar cada vez mais bonito esse resgate de práticas originárias.
“A Umbanda não é Uno, é um religião de muitas bandas e você precisa entender quais dessas bandas vai se encaixar com a sua.”
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Muitas pessoas relatam receber mensagens por meio dos sonhos, e se questionam se estão, de fato, obtendo alguma orientação de seus guias. Como diferenciar uma mera manifestação do subconsciente de uma questão espiritual, que precisa ser trabalhada?
A recepção de uma manifestação espiritual verdadeira através dos sonhos não é um processo isolado, faz parte de uma jornada de amadurecimento mediúnico e uma série de rituais e práticas que visam estreitar o relacionamento entre o médium e os guias. Dessa forma, uma mensagem através do sonho não é algo tão lúdico como as manifestações do subconsciente, ela costuma vir como um aviso, uma resposta a algo ou projeção astral.
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Você também é criadora do método de ensino religioso EITA (Escutativo, Integrativo, Transformador e Amplificador). Com base nesses conceitos, como essa metodologia é aplicada na prática?
Ouvir é um processo mecânico, já escutar depende da vontade de prestar atenção, entender o que está sendo dito. Eu sempre falo que não quero ouvintes passivos, quero escutas ativas, por isso, faço questão de atiçar e lançar questionamentos que incomodem, que tirem a pessoa da zona de conforto, que mexa com algo que está enraizado ou desperte a paixão das pessoas, assim elas começam a prestar atenção de forma quase automática, nem que seja buscando uma brecha para discordar.
Sobre o processo Integrativo, digo que precisamos fazer parte de algo maior. Vamos para um terreiro buscando acolhimento, buscando uma família espiritual, buscando estar perto dos que falam a mesma língua. Apertamos o play no vídeo do Youtube para conhecer qualquer pessoa, mas apenas nos inscrevemos no canal e ativamos as notificações daquelas pessoas que falam a nossa língua, que nos faça sentir familiaridade, intimidade.
Quando eu mostro ao terreiro que não há espaço para palco, não há espaço para isolamento, eu integro as pessoas. Eu começo meus vídeos falando “Saravá, Time de Fé”, mostrando que fazemos parte do mesmo time. Eu começo meu curso de transe mediúnico falando que fazemos parte do clube do lobo, da mesma matilha. Eu integro pessoas e faço com elas se acolham e consigam sentir que sim, falamos a mesma língua e por isso vamos dar as mãos nesse processo para que ninguém se perca.
O processo Transformador é algo que precisa ser sempre ativado, pois muitas vezes as pessoas não dão o devido valor para as pequenas transformações que ocorrem na vida delas. Eu incentivo as pessoas a valorizarem cada passo no processo, através de manifestos, de celebrações, etc. Quando estamos no terreiro ou em grupos de Whatsapp entre os médiuns da casa, costumo incentivar que todos contem semanalmente as transformações que ocorreram para que comemoremos ou nos ajudemos.
Quando estou em um curso ou uma aula ao vivo, peço que as pessoas enviem Emojis a cada novo conceito aprendido, a cada ressignificação de algo que não esperavam. As pessoas precisam comemorar cada passo e não ter uma vida de expectativa. A Umbanda vive em festa, a nossa maior alegria é celebrar!
Amplificador é um dos conceitos que eu mais prezo. Tudo na Umbanda é pensado no coletivo, até o pensamento da caridade umbandista tem essa base. Então, eu peço que as pessoas amplifiquem tudo que chega até elas. Aprendeu algo bom no terreiro? Amplifique! Escreva sobre isso, faça um post, indique. Vai na gira de sábado? Chame alguém, avise nas redes sociais, faça isso ser despachado para incentivar outras pessoas.
Leu essa entrevista e gostou? Amplifique! Compartilhe com os outros, fale sobre isso, indique! As pessoas precisam pensar que elas amam pregar a caridade, mas a caridade também mora em pequenos detalhes. Quando amplificamos pequenas coisas, ajudamos muita gente sem saber. Às vezes as pessoas precisam ouvir palavras ou ler coisas que você não faz idéia, promover a distribuição desses conceitos também é uma bela interpretação do hino da Umbanda, quando se canta “levando ao mundo inteiro, a bandeira de Oxalá”. Isso é amplificar, tornar maior o que iria parar em você.
Biografia
Carioca dos Arcos da Lapa, já consagrada na Malandragem de Zé desde o berço. É Neurolinguista especialista em métodos de Transes espirituais, pesquisadora sobre comportamentos de terreiros e colecionadora de testemunhos espirituais. Também é dirigente do Templo Academia de Umbanda, co fundadora da vertente de Umbanda Acadêmica e Youtuber no maior canal com conteúdo sobre Transe Mediúnico Umbandista.
Acredita que espiritualidade é algo que se pratica 24h mesmo que de forma não intencional e que transe mediúnico não é um dom, mas sim um caminho que todos podem trilhar através de estudos e práticas orientadas. Abraçou o propósito de ajudar as pessoas a encontrarem sua presença, bem estar, consciência e conexão individual com o sagrado. Esse Axé faz sentido pra você? Então vamos juntos Saravar!