Entrevista com Karine Antunes
Entrevista com autor convidado WeMystic: Karine Antunes
Karine Antunes
Ayurveda – “Você se empodera da sua própria saúde e do seu próprio corpo”
Ayurveda significa, em sânscrito, ciência (veda) da vida (ayur). Com mais de 7 mil anos, a Ayurveda é um dos mais antigos sistemas medicinais da humanidade. No Brasil, começa a ser reconhecido, há mais curiosidade e mais procura por uma visão medicina holística e integrativa, que olhe para o corpo, mente e emoções. Falamos com a bióloga Karine Antunes, também terapeuta em Ayurveda e graduanda em Nutrição. Porque se alguém nos pode explicar um pouco melhor sobre este tema, é ela.
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Como surgiu seu interesse pelo Ayurveda? Quando e de que forma você se aproximou e adotou essa medicina milenar para si mesma e sua especialização profissional?
Meu interesse pelo Ayurveda surgiu porque eu sentia meu corpo muito desequilibrado, e a medicina convencional não conseguia me ajudar. Na verdade, eu tinha hábitos diários que incluía muita correria e uma alimentação com muitos alimentos industrializados, assim como grande parte das pessoas da nossa sociedade atual.
Ao descobrir o Ayurveda, pela internet depois de digitar os sintomas que eu sentia no Google, me identifiquei rapidamente com os clássicos desequilíbrios do Vata dosha. Mas naquela época não havia nenhum terapeuta em Ayurveda na minha cidade, e todos os que entrei em contato de forma virtual me disseram que virtualmente nada poderia ser feito, hoje eu sei que algumas orientações teria me ajudado muito.
Alguns anos depois, me mudei pro Rio de Janeiro, me formei professora de yoga integral, terapeuta em Ayurveda pela ABRA – Associação Brasileira de Ayurveda, e me especializei em Nutrição Ayurvédica pela Academia Internacional de Ayurveda, em Pune, na Índia. Desde então eu tenho um compromisso de divulgar o Ayurveda, para que ninguém se sinta desamparado, através de cursos online na internet.
“O Ayurveda se alinha aos ciclos naturais, oferece o alimento, especiarias, ervas medicinais, etc, como primeiro medicamento. No entanto, o Ayurveda deve ser sempre encarado como terapia complementar à medicina convencional, pelo menos aqui no Brasil. E eu sempre incentivo os meus pacientes a tratarem dessa forma.”
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De acordo com a sua experiência, quais os motivos pelos quais as pessoas buscam uma alimentação ayurvédica? Esses mesmos pacientes, encaram o Ayurveda como único sistema ou de forma complementar à medicina ocidental?
Eu acredito que as pessoas buscam uma alternativa ao sistema de saúde convencional porque, em geral, possuem visão mais integrativa, olham pra corpo, mente e emoções. E também porque são muito menos invasivos, naturais, sem efeitos colaterais. O Ayurveda se alinha aos ciclos naturais, oferece o alimento, especiarias, ervas medicinais, etc, como primeiro medicamento. No entanto, o Ayurveda deve ser sempre encarado como terapia complementar à medicina convencional, pelo menos aqui no Brasil. E eu sempre incentivo os meus pacientes a tratarem dessa forma.
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Segundo o Ayurveda, uma má digestão é a causa raiz de muitas doenças. No entanto, a medicina ocidental moderna raramente questiona seus pacientes quanto a dieta e capacidade digestiva. Por que a digestão tem um papel tão importante no Ayurveda?
A capacidade digestiva é, de fato, muito importante para o Ayurveda, pois é a base da saúde. Se você não tem capacidade para digerir, mesmo um alimento muito saudável (orgânico, local, fresco, nutritivo) não será corretamente digerido, e tudo o que não é perfeitamente digerido se torna toxina dentro do nosso organismo. Essas toxinas acumulam-se e causam inúmeros tipos de desequilíbrios ao longo do tempo. E dessa forma, as doenças vão sendo instaladas no corpo. Podemos dizer que tudo começa com a digestão.
“Atualmente, grande parte das doenças crônicas não transmissíveis, e que mais matam no mundo ocidentalizado, possuem basicamente uma dieta rica em alimentos de origem animal, e isso não é uma coincidência.”
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Alguns nutricionistas aconselham a comer pequenas refeições a cada 2-3 horas para manter o metabolismo ativo e evitar a queda de açúcar no sangue. Já o Ayurveda afirma que fazer lanches ao longo do dia não é um hábito saudável, e aconselha a manter apenas 3 refeições completas. Por que se alimentar mais vezes ao dia pode não ser uma escolha saudável?
Na verdade isso vai variar de pessoa para pessoa, mas de forma geral, o que o Ayurveda recomenda é se alimentar quando você tiver pronto para digerir um alimento e o sinal disso é a fome. Não adianta se alimentar a cada 3h se o seu corpo não está pronto para digerir os alimentos que você come, que pode se tornar uma toxina e vir a causar distúrbios e desequilíbrios no organismo. “Devemos comer para viver e não viver para comer.”
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Ainda considerando o número de refeições, para o Ayurveda, se uma pessoa não sente fome, é aceitável pular refeições como o café da manhã ou o jantar, por exemplo? Existem condições nas quais esse tipo de prática é aconselhável?
O Ayurveda diz que devemos comer somente quando temos fome. O ideal é seguir uma rotina alimentar de horários fixos e não pular refeições, para isso utilizamos preparações, chás de ervas, etc para estimular o apetite, pois o saudável é que tenhamos apetite. No entanto, é preferível pular uma refeição, caso não esteja com fome, do que se alimentar forçando-se a comer.
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Sob uma perspectiva yogi, mente e o corpo são inseparáveis. No caso de condições como ansiedade, depressão, insônia e irritabilidade, por exemplo, seria eficaz iniciar a cura através do corpo, antes de migrar para terapias, técnicas ou até mesmo medicamentos voltados à saúde mental?
Depende de cada caso. Se o caso dessas condições citadas for leve ou em estagio inicial, mudanças nos hábitos diários na rotina e na alimentação, pratica de yoga, pranayama e meditação podem ser muito eficazes. No entanto, se o desequilíbrio já está instalado como uma doença, então é necessário o uso de medicamentos conjunto à terapias complementares.
“Saber de quais elementos seu corpo é formado é uma importante ferramenta para o auto-conhecimento. Você se empodera da sua própria saúde e do seu próprio corpo. Começa a compreender os primeiros sinais de desequilíbrio e é capaz de agir para fazer seu corpo voltar ao equilíbrio, antes do agravamento.”
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Ainda que o vegetarianismo seja uma recomendação ayurvédica, esse tipo de dieta não é uma regra, correto? Em termos não somente de saúde, mas de karma e alimentação consciente, você acredita que o vegetarianismo estrito seria a abordagem mais recomendada pelo Ayurveda para o alinhamento entre corpo, mente e espírito nos dias atuais?
Ayurveda é uma ciência antiga, e se baseia em observações e evidências. Alimentos de origem animal costumam ser pesados e podem sobrecarregar mais facilmente a capacidade digestiva. Atualmente, grande parte das doenças crônicas não transmissíveis, e que mais mata no mundo ocidentalizado, possuem basicamente uma dieta rica em alimentos de origem animal, e isso não é uma coincidência.
Um estudo chamado “The China Study” comparou a incidência de doenças crônicas entre uma população que possui uma alimentação com muito consumo de produtos derivados de animais (norte americana) com populações de regiões da China onde havia uma alimentação majoritariamente baseada em vegetais, e constatou que a incidência dessas doenças crônicas era muito menor nessas populações.
Eu acredito que a alimentação vegetariana estrita é a abordagem mais terapêutica para o equilíbrio do corpo (porque é mais anti-inflamatória, rica em nutrientes e fitonutrientes), mente (porque alimentos vegetais são mais sáttvicos, no geral, o que quer dizer que produzem um estado de pureza e bem estar mental) e espirito (pela questão energética e karmica atrelada à violência com como os animais são criados e abatidos). Eu baseio meu trabalho em cima de uma alimentação baseada em vegetais e os resultados são sempre muito positivos.
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Na medicina ayurvédica, seu grande pilar consiste em definir três biotipos (os doshas), nos quais cada indivíduo se encaixa — Vata, Pitta e Kapha. Quais seriam os principais benefícios que uma pessoa pode obter ao descobrir seu dosha predominante?
Saber de quais elementos seu corpo é formado é uma importante ferramenta para o auto-conhecimento. Você se empodera da sua própria saúde e do seu próprio corpo. Começa a compreender os primeiros sinais de desequilíbrio e é capaz de agir para fazer seu corpo voltar ao equilíbrio, antes do agravamento. Sem duvidas, esse é o maior beneficio. E quando você coloca esse conhecimento em pratica, o resultado é: mais saúde, maior consciência corporal, maior bem estar, menor consumo de medicamentos, melhoria da imunidade, bom funcionamento intestinal, etc.
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Como uma pessoa pode começar a introduzir uma rotina ayurvédica no seu cotidiano? Na sua opinião, as mudanças devem começar pela alimentação ou por meio de práticas como yoga, meditação e exercícios de respiração, por exemplo?
O primeiro passo é ter o habito de se observar. Sempre digo nos meus atendimentos e cursos que não há protocolos no Ayurveda, cada pessoa é única, por isso devemos adotar, antes de tudo, o habito de se observar. Acordou sem muita fome? Toma água com limão ou então um chá digestivo, pode ser de gengibre, erva-doce ou outro.
Observe sua fome, coma uma refeição com os 6 sabores, saiba quais são os melhores alimentos e forma de prepara-los ideais para o seu organismo, adote praticas para aterrar a mente, como yoga e meditação, tenha horários fixos e uma rotina de autocuidado. Na minha opinião devemos começar pela observação de si, como expliquei acima, da fome, do que você come, de como come, depois yoga, técnicas de respiração e meditação. De dentro para fora.
“Observe sua fome, coma uma refeição com os 6 sabores, saiba quais são os melhores alimentos e forma de prepara-los ideais para o seu organismo, adote praticas para aterrar a mente, como yoga e meditação, tenha horários fixos e uma rotina de autocuidado.”
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Quando falamos em bem-estar e empoderamento da mulher, existe alguma abordagem do Ayurveda nesse sentido? E como a medicina ayurvédica pode contribuir para a saúde das mamães?
Eu acredito que o empoderamento sempre virá de praticas de auto-conhecimento, pois você dá poder àquilo que conhece e que aprendeu a respeitar. Nesse caso falamos do nosso corpo. Especificamente, o Ayurveda diz que todos os desequilíbrios dos órgãos femininos estão diretamente relacionados ao que comemos.
Sobre maternidade, o conhecimento Ayurvédico é muito vasto, incluindo preparação pré-concepção (do corpo, da mente e espirito para receber um novo ser), quanto ao acompanhamento durante cada fase da gestação, particularidades de cada trimestre, e também na fase do puerpério, amamentação, etc.
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Em termos de Brasil, qual é a sua expectativa do Ayurveda por aqui? Sabemos que, há pouco tempo, a medicina foi incluída na lista de terapias integrativas do SUS. Você acredita que existe um potencial de expansão no país?
Honestamente, eu não sou otimista sobre a implementação real das praticas integrativas no SUS neste atual cenário político. Acredito que o Ayurveda ainda continuará a ser uma terapia praticada em clinicas particulares. Porém, com mais pessoas entendendo que o Ayurveda deve ser traduzido à realidade brasileira, mais se tornará popular e acessível a todos.
“o Ayurveda é justamente um conhecimento sobre a própria vida em sua forma mais simples e natural, cíclica, não tem mistério, não tem protocolos, não é rígida e engessada, e sobretudo, não é mágica e nem milagrosa. É baseada em observação, repetição e constatação.”
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Ayurveda é uma medicina, mas também pode ser encarada como filosofia de vida, com propósitos mentais, emocionais e espirituais. Na sua opinião, qual deveria ser a prioridade, o maior estímulo, para que alguém buscasse aderir aos processos ayurvédicos? No início, qual aspecto teve maior relevância para você?
O maior estímulo, com certeza, é pela busca de autoconhecimento, conhecer o funcionamento do próprio corpo e da própria mente. Já ouvi pessoas dizerem que não conseguem praticar o Ayurveda. No entanto, o Ayurveda é justamente um conhecimento sobre a própria vida em sua forma mais simples e natural, cíclica, não tem mistério, não tem protocolos, não é rígida e engessada, e sobretudo, não é mágica e nem milagrosa. É baseada em observação, repetição e constatação.
Por exemplo, se você tem o conhecimento de que você tem a tendência a agravar o Vata dosha, você jamais irá tomar um sorvete num dia frio. Ao contrário, você vai estar buscando diariamente se aquecer, se nutrir e se olear por dentro e por fora, dada a natureza fria, leve e seca de Vata dosha. Por isso, é importante dizer: Não há erva milagrosa, se você não entende o conceito. E é por essa razão que eu gosto tanto de dar cursos sobre Ayurveda, porque quero que as pessoas tenham autonomia para conhecer o próprio corpo, sem depender diretamente de ninguém.
No início dos meus estudos, o aspecto de maior relevância foi entender os sintomas do meu corpo e conseguir agir antes do desequilíbrio se instalar. Eu vejo o Ayurveda como uma ciência médica, ainda que seja baseada numa filosofia fascinante, para as pessoas que estão em sofrimento, encontrar o Ayurveda numa forma acessível e compreensível é muito mais importante.
Biografia
Karine Antunes é Bióloga, graduanda em Nutrição, terapeuta em Ayurveda pela ABRA-RJ (Associação Brasileira de Ayurveda), especializada em Alimentação, Culinária e Nutrição Ayurvédica e certificada pela IAA – International Academy of Ayurved – Pune, Índia.
Idealizadora do Nutri Veda, que oferece cursos online em Alimentação Ayurvédica. Também é professora em Yoga Integral, certificada pela Aliança Brasileira de Yoga e Yoga Alliance International – RYTT – 500h. E mestra em Reiki Usui.